segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Medo

Tememos acordar. Tememos pôr o pé pra fora de casa e sermos assaltados. Tememos aquele sujeito de roupas rasgadas e olhar mal encarado parado na esquina, mas também tememos o cara bem vestido escondido naquele carro preto de insul-films escuros cruzando a avenida. Tememos que ele e sua gangue de cinco brutamontes mal encarados nos sequestre. Saímos de casa feito loucos, sempre com os horários apertados, mas também tememos bater o carro. Nossa pressa é maior que a do outro. Mas vai que aquele maluco do Voyage azul não respeita o sinal no cruzamento. Tememos que nosso carro fique mais amassado que o dele.

Tememos o olhar furioso que o chefe nos dispara ao chegar. Tememos chegar atrasado, odiamos quando isso acontece. Tememos receber o bilhete azul, a porta da rua é serventia da casa. Nesses tempos de crise, tememos a demissão.

Tememos errar em serviço, mas é um risco calculado que nós temos que aceitar. Tememos sequestro relâmpago também, afinal, hoje é dia de pagamento. Tememos reagir e tomar uma bala nos miolos, tememos não reagir e igualmente tomar uma bala nos miolos. mas também tememos que a viagem seja inútil, afinal ninguém sabe se o salário já caiu. Tememos os credores e o débito automático. Tememos a gripe suína.

Tememos aquela manifestação ali, no cruzamento onde um Voyage maluco quase detonou minha lataria. Ninguém sabe que tipo de gente é aquele. Tememos a dengue, a gripe aviária e a doença do sono africano. Tememos que a umidade que vem da casa do vizinho crie uma rachadura e a casa caia sobre nossas cabeças. Tememos tudo. Mas temos que dormir tranquilos que amanhã tem mais.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Ode a São Marcos (parte 2)

Naquela noite Palmeirenses e Corinthianos não dormiram. Era a tão esperada semifinal da Copa Libertadores do ano 2000, certame arrastado aos pênaltis. De um lado, Marcelo Pereira Surcin, ídolo alvinegro, deus da nação corinthiana e irrevogavelmente objeto de adoração do time de Parque São Jorge. Do outro, Marcos, que já assumira sua posição de santo, sua metafísica e seus poderes sobrenaturais na baliza do time de Parque Antártica. Não mais que uma defesa - um passaporte à final (da qual o Palmeiras sairia vencido) e a confirmação da sua posição de futuro busto da academia, peça de culto da torcida palmeirense. Marcos agora estava felizmente condenado a ser mais um eterno da história palestrina.

E não só na história palestrina. Marcos não se contentou e foi eterno mais uma vez - e dessa vez em grande estilo, conquistando a Copa do Mundo com atuações irretocáveis, milagres como de costume, destacando-se defesas contra Bélgica e Inglaterra. Nessa passagem no começo da década surge mais uma baixa na carreira do atleta: o rebaixamento da sociedade Esportiva Palmeiras.

Assediado, o ídolo não seguiu o caminho de tantos outros - Francisco Arce, Christian e Nenê são só alguns exemplos - e permaneceu no time, para mais uma vez voltar enquanto todos pensavam que sua fase já passara. Foi sua primeira volta do pó, do terrão e do estaleiro, mostrando o quão Marcos era sua capacidade de sê-lo.

A segunda volta foi mais sofrida e um tanto grandiosa também, pra se falar a verdade.Lesionado e já substituído pór Diego Cavalieri, contava os dias para sua aposentadoria perambulando entre consultórios da medicina esportiva paulistana quando fora resgatado para a disputa do Campeonato Paulista de 2008. Mais do que um resgate, uma vitória: Marcos volta a conquistar com o Palmeiras um título importante e renascendo como para ficar entre as traves, na memória e no coração de uma torcida.

Ao acordar no último 4 de agosto, Marcos não deve nem de longe ter se sentido mais velho. Enquanto qualquer um se daria por satisfeito, Marcos ainda vislumbra e sabe que pode dar muito ao futebol nacional. Tendo conquistado o título máximo que um mortal pode conquistar pela sua seleção, o grande objetivo de Marcos é o Campeonato Brasileiro, título que ainda não consta em seu premiado currículo de vencedor. Parabéns, Marcos!

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Ode a São Marcos (parte 1)

Aqui começa a Ode a São Marcos, Palmeirense de nascença e costumes.


Um grande monstro de cerca de um metro e noventa e seis centímetros comummente temido pelos adversários. Assim se define Marcos Roberto Silveira Reis, natural de Oriente, por muitos tido como o melhor goleiro que já defendeu as metas alvi-verdes de Parque Antártica. Quase uma unanimidade mundo do futebol, patrimônio histórico envolto pela mística da camisa 1 ou, por vezes, pela sua característica 12 que lhe rendeu um título continental no final da década de 90. Mais que uma figura de adoração dos adeptos da Mancha Verde, T.U.P ou seja lá qual organização de apaixonados por um time, Marcos é ídolo nacional.

Contratado no início dos anos 90 pela Sociedade Esportiva Palmeiras a troco de doze pares de chuteiras ao Lençoense, a carreira de Marcos sempre fora marcada por altos (este sempre mais relevantes que o fazem ser simplesmente Marcos) e baixos. Lhe fora dada a chance de substituir Velloso - arqueiro já consagrado nacionalmente - e Marcos não deixou a desejar. Tornou-se o anjo da guarda palmeirense, lacrando herméticamente suas balizas. Com defesas milagrosas ajudou seu time à conquista da Copa Libertadores 1999, sendo um dos títulos mais importantes de sua carreira.

Mas sua carreira não fora feito só de números. Marcos é de histórias, lances e detalhes que o caracterizam definitivamente como herói palmeirense. Perante suas grandes atuações, em especial diante do arqui-rival Corinthians nas quartas-de-final, a finalíssima do torneio fora só mais um mero detalhe. Importante, aliás. Até então fora a maior volta olímpica de um ídolo precoce, de dimensões agora continentais.

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Muitos palmeirenses prefeririam um texto que se acabasse aqui. Mas como diz a máxima proferida em diversas línguas em todos os cantos do mundo "o show tem que continuar". E continuou, justamente quando os olhos do mundo se voltaram ao embate entre Palmeiras e Manchester United, que teve vitória inglesa. Mais que isso: o herói palmeirense - de carne e ossos como qualquer um - falhou. Vieram as críticas e ecoaram pelos quatro cantos de São Paulo, por todos os setores do Palestra Itália e por toda a extensão da Turiassu. Mas o ídolo preparava em silêncio, entre cafés e orações solitárias em sua pequena área de goleiro, sua digna e suntuosa volta por cima, protagonista (quiçá também antagonista) na semifinal da Libertadores. O acaso escolhera, novamente diante do Sport Club Corinthians Paulista.

(em breve, a segunda parte)

quarta-feira, 29 de julho de 2009

A Velha do Ônibus

Cerca de um e setenta e cinco (também pode ser um e oitenta, não faria diferença) de altura mal distribuidos em aproximados setenta ou oitenta quilos, devidamente cobertos por suntuosos panos verdes. Portava uma sacola, a qual não me recordo se era de alguma loja luxuosa do comércio paulistano ou se era apenas um pedaço de plástico fornecido pelo Carrefour.

Fato é que esta era a melhor descrição para a "velha do ônibus". Sequer perguntei seu nome. Sua aparência também não me atraia para qualquer flerte aleatório, o que só reforça a ideia de que minhas faculdades mentais ainda não estavam alteradas.

- Este passa na Avenida Ibirapuera?

- Passa sim, onde você quer descer?

Expliquei-a meu trajeto. Disse que só queria ir à clínica oftalmológica para exames. Tinha perdido dois ônibus na saída do shopping e estava razoavelmente atrasado para o compromisso

- Passa sim, você vai descer no mesmo lugar que eu.

Calma. Era a última coisa que passaria pela minha cabeça. Num ônibus desconhecido, guiado por uma pessoa desconhecida me dirigindo a um local desconhecido. Questionar é para os fortes, me dirigi ao motorista:

- Passa na Avenida Ibirapuera?

- Mas eu não já disse que o ônibus passa nessa porra de avenida?

A resposta veio. Não do motorista, obviamente, mas sim da velha do ônibus.

- Moro há trinta anos lá - exibia-se.

Seu sorriso doce me remetia às histórias infantis. Quem sabe a Bruxa da inesquecível história da branca de neve. Já seu charme capilar, coroado com pomposos adereços brilhantes me remetiam à Cruella, 101 Dálmatas. Me ofereceu chiclete. Recusei.

Percebi, numa curva desengonçada traçada pelo ônibus, que o destino se aproximara e levantei. Meu erro.

- Eu não sou cega! Moro nesse bairro há 30 anos! Quando for pra descer eu aviso, porra!

Dessa vez sua voz saiu grossa. Como um travesti que tem um lapso de masculinidade em um acesso de raiva. Suas mãos estavam trêmulas. Previ um ataque de fúria e me dirigi ao fundo do veículo onde poderia pôr os fones e observar a última parte do trajeto - os solavancos, curvas e ares da cidade que nunca para.

- Acorda, rapaz! Hora de descer!

quarta-feira, 22 de julho de 2009

A Festa

Esgotado. É só o que eu posso dizer depois daquela festa bizarra, a qual nem sei porque fui convidado. Festa esdrúxula, público chato. A única felicidade correspondia à parte do "não pagarás pela bebida". Ok, quente é ruim, mas era a única distração em meio às luzes, à dança repetitiva e o som do local, que diga-se de passagem, era péssimo. Você estava lá. Não menos chata que o público, não menos esdrúxula que a festa. O que era uma pena, afinal nesses últimos tempos tão distantes, apenas te ver já é o suficiente pro meu dia desabar. Pr'aquele sentimento de bem estar, a harmonia do mundo sem você ir diretamente para o ralo.

Chateado só. A festa, as luzes, as pessoas dançantes, as músicas quase dançantes, o clima pesado. Talvez o problema fosse eu. Talvez eu não tivesse clima para festa alguma. Ok, isso parece velho, mas talvez eu não tivesse mais energia pra ir para a pista de dança. Você me chamou pra dançar, eu não aceitei. Puro comodismo, não ia me tirar da minha zona de conforto. Arrisco dizer que qualquer copo de cerveja quente fosse melhor do que você naquela noite.

Confuso. Nem sei o que dizer sobre aquela festa. O ir e vir das pessoas, a pista de dança. Incrivelmente sozinho no meio de tanta gente. Deslocado. Isso, essa é a palavra, deslocado. E deslocado a me divertir com alguns drinks etílicos até você chegar. Você me chamou para dançar o que seria um bom sinal. Alto, talvez. Recusei, apesar de me arrepender por isso. Não deveria. Provavelmente seria minha chance. Você foi embora.

Cansado. Também, depois daquela festa. Tudo bem que no começo eu fiquei meio deslocado mas, enfim, você apareceu. Coincidência ou não, num look com um toque formal, o qual você sabia, me agradava bastante. Diversas pessoas naquela festa, mas eu só olhava você. Dane-se o resto, você percebeu e me chamou pra dançar. Sem titubear aceitaria. Umas doses de álcool me disseram não. Não vou negar, senti saudades. No momento você está com alguém?

Ah, a festa. Dane-se a festa. Desde o começo, só fui porque os boatos diziam que você também ia. Confirmados, aliás. Quem sabe você só tenha vindo, e tenha vindo com aquele look formal porque sabia da minha presença. Ou talvez não. Quem sabe o destino conspirando ao meu favor mesmo. Você estava linda e me chamou pra dançar. Recusei, me arrependi. É, sempre as decisões erradas. Quem sabe outra hora, outra chance. Desde aquele dia não parei de pensar em você só um minuto. Droga, te amo!

Swine Flu

O hype da vez. As autoridades, claro, tentaram acalmar a geral, dizendo que estava tudo sob controle. O vírus só circulava entre cidadãos que tiveram contato com quem veio de fora. Sim, culpamos os argentinos, afinal nós somos o país do futebol, os donos da bola, a peça principal do quebra-cabeça sulamericano. Pelé sempre foi melhor que Maradona. E não, a gripe suína não estava por aqui.

Mas a outra verdade não resistiu por tanto tempo. O índice de contágio subiu à medida em que os boletins informativos foram ficando escassos. Ninguém sabia nada, quais eram os sintomas ou qual o risco que isso poderia trazer. A pandemia iminente tornou-se realidade. As notícias começaram a pipocar. As pessoas começaram a adoecer. E, consequentemente, obedecendo a imbatível ordem natural das coisas, as pessoas começaram a morrer. E a medida em que o William Bonner nos assaltava em tom sério e funesto, interrompendo nosso jantar para anunciar mais um caso descoberto (seja no Rio de Janeiro ou no Rio Grande do Sul) é que as coisas passaram a ficar mais claras. Quiçá, ameaçadoras, diante dos nossos respectivos narizes.

As pessoas, por sua vez começaram a ficar com medo. Começaram também a ficar gripadas também, mas nada que não seja justificado com um diagnóstico sazonal, até o momento em que começam as complicações. Minha mãe começou a ficar com medo e passou a me mandar usar o casaco mais do que várias vezes, como se isso fosse ajudar alguma coisa. Eu fiquei com medo e me afastei daquele senhor do ônibus, que tossia desesperadamente, como se carregasse um urso que urrava ferozmente em seus pulmões. E talvez fosse um gente boa, viesse a me cumprimentar e eu, por medo - ah, este instinto de defesa que nos acomete nas horas mais difíceis - não lhe estenderia a mão. Inventaria uma desculpa, diria que aquelas sacolas,com aquela senhora de vermelho, na verdade eram minhas e que eu estava indo pegá-las. Inventaria um machucado, sei lá. Desci um ponto antes.

Swine Flu. Já virou até Trending Topic do Twitter por um dia. O que fazer? Eu é que não tenho a resposta. Enquanto isso, lavem as mãos, usem e abusem das máscaras. Quem sabe sirvam para afastar as pessoas, conseguir atendimento rápido na fila do banco ou um lugar vazio e algum espaço no ônibus, a pleno horário de pico. E coloquem a culpa no porco.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Find a partner today, have a sex tonight

Olá caros (e poucos) leitores e leitoras deste sumptuoso blog, sejam todos bem vindos!Escrever este primeiro post não foi uma tarefa fácil. Demandou algum tempo pensando, algumas horas escrevendo, a escolha a dedo das palavras... e no fundo você mesmo vai constatar de que tudo isso foi por água abaixo. Ou não. Enfim, este é o debut do Crônica Arcaica, espero que gostem.

Aliás, este primeiro post traz consigo até mesmo uma dose de metalinguística - por mais que pareça uma animada coletânea de informações a internet também é um código um tanto problemático. E se torna decepcionante, sim, ao averiguar a caixa de entrada da minha conta de e-mails: nunca na história desse país (um debut que se preze carregando o jargão hype do momento) recebi tantos spams quanto atualmente.

São máquinas, não há como argumentar. Mas eles estão por todo o lugar. Dos mais convencionais aos mais exóticos. Dos mais discretos, um link que acompanha uma mensagem iniciada com um "gentil" boa tarde aos mais chamativos, brilhantes, multicoloridos e saltitantes que gritam aos quatro, cinco ou sabe-se lá quantos cantos do mundo virtual sobre as promoções da geladeira branca, da câmera digital ou das pílulas azuis - estas não oferecem qualquer risco ao usuário e desafiam até a lei da gravidade. Uma maravilha farmacêutica dos últimos tempos, se não fosse somente mais uma picaretagem que me fora enviada nessa última semana.

Existem também os chocantes, seja lá pelo contexto, pela situação ou pelo conteúdo. Algo como se deparar com ofertas nada convencionais em uma visita vespertina ao seu próprio e-mail. Find a partner today, have a sex tonight. Em tempo, ainda estou embasbacado com a persistência do cara da geladeira branca e da loja da máquina digital. Talvez um dia definitivamente se cansem de mim.