quarta-feira, 29 de julho de 2009

A Velha do Ônibus

Cerca de um e setenta e cinco (também pode ser um e oitenta, não faria diferença) de altura mal distribuidos em aproximados setenta ou oitenta quilos, devidamente cobertos por suntuosos panos verdes. Portava uma sacola, a qual não me recordo se era de alguma loja luxuosa do comércio paulistano ou se era apenas um pedaço de plástico fornecido pelo Carrefour.

Fato é que esta era a melhor descrição para a "velha do ônibus". Sequer perguntei seu nome. Sua aparência também não me atraia para qualquer flerte aleatório, o que só reforça a ideia de que minhas faculdades mentais ainda não estavam alteradas.

- Este passa na Avenida Ibirapuera?

- Passa sim, onde você quer descer?

Expliquei-a meu trajeto. Disse que só queria ir à clínica oftalmológica para exames. Tinha perdido dois ônibus na saída do shopping e estava razoavelmente atrasado para o compromisso

- Passa sim, você vai descer no mesmo lugar que eu.

Calma. Era a última coisa que passaria pela minha cabeça. Num ônibus desconhecido, guiado por uma pessoa desconhecida me dirigindo a um local desconhecido. Questionar é para os fortes, me dirigi ao motorista:

- Passa na Avenida Ibirapuera?

- Mas eu não já disse que o ônibus passa nessa porra de avenida?

A resposta veio. Não do motorista, obviamente, mas sim da velha do ônibus.

- Moro há trinta anos lá - exibia-se.

Seu sorriso doce me remetia às histórias infantis. Quem sabe a Bruxa da inesquecível história da branca de neve. Já seu charme capilar, coroado com pomposos adereços brilhantes me remetiam à Cruella, 101 Dálmatas. Me ofereceu chiclete. Recusei.

Percebi, numa curva desengonçada traçada pelo ônibus, que o destino se aproximara e levantei. Meu erro.

- Eu não sou cega! Moro nesse bairro há 30 anos! Quando for pra descer eu aviso, porra!

Dessa vez sua voz saiu grossa. Como um travesti que tem um lapso de masculinidade em um acesso de raiva. Suas mãos estavam trêmulas. Previ um ataque de fúria e me dirigi ao fundo do veículo onde poderia pôr os fones e observar a última parte do trajeto - os solavancos, curvas e ares da cidade que nunca para.

- Acorda, rapaz! Hora de descer!

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